
Longe de serem cães e gatos sem dono, animais comunitários ou semi-domiciliados fazem a alegria da vizinhança -mas também precisam de cuidados para se manter saudáveis e de bem com a sociedade.
por Cíntia Marcucci
No bar de "seu" Milo Felipe, 70, em uma esquina do bairro Pompéia, a clientela toda conhece Lobo. O cão SRD, idade estimada em 12 anos, passa os dias ali. Faz festinha para um, come um belisco oferecido por outro, cochila, mas, quando quer, sai sem avisar para dar suas voltas. "Ele adora o meu funcionário que cuida da churrasqueira. E uma das vizinhas prepara uma comida especial com arroz, carne e vegetais, que ele come fresquinha duas vezes ao dia", conta Milo.
De bobo, Lobo não tem nada. Cachorro de rua, há mais de dez anos ele arrumou pelo menos meia dúzia de donos que o alimentam, oferecem abrigo à noite, levam-no para tomar banho e para consultas no veterinário.
Lobo é um animal semi-domiciliado, isto é, recebe cuidados porém não tem um dono ou residência fixa. "Há muitos casos desse tipo. É claro que seria melhor se os bichos pudessem ter um dono com posse responsável. Mas, na falta de um, eu recomendo que as pessoas que cuidam se comuniquem sempre para dividir as tarefas e também para saber se ele está comendo normalmente ou se há algo de diferente em seu comportamento", explica o veterinário Daniel Svevo, do projeto Cão Cidadão, organização que apóia a posse responsável e o bem-estar animal.
Mesmo que não haja um só responsável pelo bicho, o Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo recomenda que se estipule um "dono no papel". Assim é possível fazer um Registro Geral Animal (RGA) e colocar a plaquinha com um número de indentificação em sua coleira. "Todo animal encontrado solto em via pública, que esteja portando a coleira com o número do RGA, quando é trazido ao CCZ pode ser devolvido, pois, imediatamente, entramos em contato com seu proprietário ou responsável", explica a veterinária do CCZ Elisabete Aparecida da Silva.
Foi para evitar que a "carrocinha" levasse Negão, um cachorro SRD de 13 anos, que o auxiliar de escritório Bruno Costa Leite, 25, fez o registro. Negão era um filhote que morava no terreno baldio ao lado do prédio de Bruno, na Vila Mariana. "A molecada brincava com ele e ele resolveu vir atrás de mim. Era um tal de ele entrar no prédio e ser posto pra fora, tinha vizinho que reclamava, até que houve uma assembléia de condomínio e decidiram que ele ficaria morando aqui", conta.
Hoje ele é um "cãomunitário", com casinha própria. Os moradores do condomínio fazem "vaquinha" para comprar comida, levar ao veterinário, vacinam todo ano, dão banho de vez em quando e
até as roupinhas ele herdou do
cachorro de um morador que morreu. Negão passa o dia pelo prédio, correndo atrás das motos e dos carros na garagem e fazendo graça com o colete de segurança que ganhou do pessoal.
Todos por um
Para a cadela Kate, uma SRD com cerca de 9 anos, a história ganhou cores de conto de fadas. "Aqui na rua nós sempre cuidamos dos animais que apareciam. Acho que eles contavam uns para os outros que aqui tinha comida e carinho, e sempre aparecia algum. A Kate ficou uns seis meses indo e vindo só para comer, nós tratamos um tumor que ela tinha na vagina e dividimos os custos da castração e do veterinário, até que eu resolvi adotá-la de fato", conta a assistente administrativa Rosane Nunes, 52, que se lembra de ter arrumado donos para pelo menos outros dez animais que surgiram e eram cuidados pela vizinhança.
Seja o bicho de rua cuidado por várias ou por uma pessoa, algumas medidas são fundamentais para que ele conviva bem com a vizinhança e seja saudável. "A primeira é a castração, que impede que o número de animais abandonados aumente e também diminui os riscos de que o bicho se envolva em uma briga para disputar uma fêmea", explica Svevo.
Conhecido por todos os moradores de uma pequena rua do bairro de Mirandópolis, zona sul da cidade, o gato Alice, 4, foi castrado antes de completar o primeiro ano de vida. "A gente brinca em casa que ele é um gato-cachorro. Ele faz festa para todo mundo que chega, é super carinhoso", conta o dono oficial Tales Gremen, 22. Alice, que ganhou esse nome porque no início a família achou que se tratava de uma fêmea, dorme cada dia em uma casa e espera uma das vizinhas chegar da faculdade à noite para dar um "olá". É vadio, mas respeitoso.
Publicado na revista da folha no dia 02/12/2007
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